27/02/2023

Marco legislativo da economia social e solidária no brasil: momento de avanço ou estagnação?

Daniel Francisco Nagao Menezes
Universidade Presbiteriana Mackenzie / CIRIEC Brasil

Leandro Pereira Morais
Universidade Estadual Paulista / CIRIEC Brasil

O quadro jurídico (legal framework) da Economia Social e Solidária no Brasil historicamente é constituído sobre entraves políticos, teóricos e práticos. Devido a diversas questões de conjuntura a legislação sobre Economia Social e Solidária se desenvolve como “voo de galinha”, ou seja, pequenos saltos e momentos de estagnação.

O viés político da Economia Social e Solidária brasileiro remete à sua trajetória histórica (path dependence). Os primeiros empreendimentos cujas organizações são semelhantes aos atuais empreendimentos populares solidários, remontam ao fim do século XIX e início do século XX, especialmente pela ação de migrantes italianos, especialmente vinculados ao movimento anarco-sindicalista, bem como, anarquistas espanhóis oriundos da Catalunha. A reação imediata do governo brasileiro (um governo de orientação liberal e anticomunista) foi a proibição de qualquer empreendimento de base auto gestionária.

Somente nos anos 30 do século XX surgem as primeiras leis que regulavam parcialmente o assunto, permitindo que algumas empresas funcionassem como cooperativas e, com necessidade de autorização prévia de funcionamento do governo, evoluindo para a permissão para constituição de cooperativas vinculadas à sindicatos de trabalhadores e, somente em 1966 (Decreto-Lei 60), já durante a Ditadura Militar, surge uma legislação que traz autonomia para as sociedades cooperativas.

Os ditadores percebem que o cooperativismo pode ser utilizado para organizar setores estratégicos cujo desenvolvimento interessava aos militares e, eram politicamente próximos ao governo ditatorial. Neste contexto, em dezembro de 1971 é criada a lei 5.764, ainda em vigor, que organizava as sociedades cooperativas e, a política nacional de cooperativismo. Esta lei, contudo, tinha o objetivo econômico de organizar o setor rural brasileiro para formar tradings de exportação de commodities, formando com isso, todo um cooperativismo empresarial que se encontra em ação até os dias atuais.

O cooperativismo popular, próximos aos ideais dos pioneiros de Rochdale, não possui qualquer diálogo com a lei 5.764/71, desenvolvendo-se (e sobrevivendo) às margens da legislação atual.

De outro lado, no início dos anos 80, o Brasil passa por uma das suas piores crises econômicas, iniciando um longo período de desindustrialização, precarização das relações de emprego que resulta na formação de uma situação de desemprego estrutural, que permanece inalterado até os dias atuais.

Com a redução drásticas das condições de vida (qualidade de vida), a população passa a se organizar em empreendimentos sociais para buscar obtenção de renda mínima para sobrevivência, surgindo então a denominada Economia Social e Solidária, que em nossa visão, são os princípios organizacionais da Economia Social europeia acrescido da origem popular pois, visa a integração econômica para a subsistência de seus membros.

Surge assim a Economia Social e Solidária e, consequentemente, o primeiro problema teórico: A Economia Social e Solidária é parte do cooperativismo ou vice-versa? Uma parte dos pensadores latino-americanos (a ESS é um fenômeno de toda América Latina e Caribe, não só do Brasil) defende a necessidade de uma ampliação do Direito Cooperativo para melhor regular os empreendimentos da Economia Social e Solidária. A outra posição, especialmente dos brasileiros, é que não existe possibilidade de diálogo entre o Direito Cooperativo e, a Economia Social e Solidária em razão das diferenças estruturais, operacionais e principiológicas da ESS e, do cooperativismo (que atualmente possui uma natureza empresarial, atuando com uma empresa de capital aberto, operando em bolsa de valores). Como toda controvérsia jurídica, não existe uma resposta certa….

Isso traz, especialmente no Brasil, um problema operacional. Sob qual forma jurídica os empreendimentos da Economia Social e Solidária devem se organizar? Como cooperativas, associações, fundações? Como afirmando anteriormente, a lei 5.764/71 é voltada para organização de grandes empreendimentos, existindo grande dificuldade para os pequenos empreendimento. Há uma situação de vazio legislativo no Brasil, não existindo uma lei específica para os empreendimentos de Economia Social e Solidária. A consequência prática é que os empreendimentos utilizam das formas jurídicas disponíveis de forma adaptada. Em algumas situações são cooperativa, em outro contexto são associações e, muitas, optam por se manter na informalidade.

O mais grave é que este problema não está no horizonte do Poder Legislativo brasileiro e tampouco dos juristas do (antigo) país do futebol…..

Outra consequência grave é a dificuldade de criação de políticas públicas de estruturação e fomento do setor econômico social solidário. Como não existe uma definição legal do que é um empreendimento de economia social e solidária, as políticas públicas são muito restritas no Brasil. Não se pode organizar e desenvolver um setor econômico se seus agentes econômicos não existem formalmente. As políticas públicas no Brasil, por este motivo, são restritas à apoios individualizados aos empreendimentos que conseguiram se “formalizar” como cooperativas ou associações, afastando grande parte dos agentes econômicos da ESS e, impedindo ações de cunho estruturante.

Mesmo as ações da SENAES (Secretaria Nacional de Economia Social e Solidária) que funcionou junto ao Ministério do Trabalho de 2003 até 2016 e, foi recriada em janeiro de 2023, tem alcance limitado.

Durante os anos 2003 e 2016, a SENAES criou programas interessantes como o Cataforte, que visava equipar cooperativas de reciclagem com caminhões para coleta do material ou, programas de apoio às universidade para criassem projetos de extensão de incubação (criação e desenvolvimento) de cooperativas populares. Todas estas políticas foram de fomento pontual, não existindo a criação de uma institucionalidade da economia social e solidária. Mesmo ações como a criação de um banco de dados sobre a economia social e solidária com informações básicas como números de participantes dos empreendimentos, valores movimentados, dentre outras, não foi possível devido à falta de institucionalidade.

A nova SENAES, por sua vez, possui uma estrutura diferente da SENAES antiga. Em razão da crise econômica e fiscal do Brasil, a nova SENAES foi estruturada como uma secretaria de articulação e, não como uma secretaria de execução. A diferença básica é que as secretarias de articulação não possuem orçamento para a execução de projeto, possuindo tão somente o dever de organizar (articular) o setor da economia social e solidária, seja na sociedade civil, como entro do poder público.

Isso cria um desafio inédito ao Brasil de articular mudanças institucionais que garantam viabilidade econômicas aos empreendimentos de economia social e solidária. Paralelamente a este desafio, há a necessidade de retomar a agenda política da criação da legislação específica para os empreendimentos sociais e solidário, conditio sine qua non, para a existência de políticas estruturantes da economia social e solidária no Brasil, evitando novos voos de galinha.

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